terça-feira, 20 de setembro de 2016

Partido Operação Lava Jato quer condenar Lula

Marcus Ianoni
Em artigo anterior, referi-me ao Partido Operação Lava Jato (POLJ), caracterizando-o como um grupo de interesse e “braço investigativo-jurídico da coalizão neoliberal-conservadora”. O corpo principal e a cabeça dessa coalizão estão nas elites econômicas – começando nos grandes rentistas e bancos e seus porta-vozes, as corporações midiáticas – e nas elites governantes – aí se destacando a ala neoliberal do PMDB, que emergiu defendendo o programa “Uma ponte para o futuro” (Temer, Moreira Franco etc) e o PSDB. As pernas, ou seja, sua base popular, espalhada em varandas, ruas e locais de trabalho, são as classes médias conservadoras e os estratos sociais desorganizados dos trabalhadores.
Essa coalizão, pelos braços do POLJ, quer condenar Lula e criminalizar o PT, para interferir nos resultados das eleições de outubro desse ano e, principalmente, nas de 2018 e, assim, impedir que o ex-presidente e seu partido recuperem espaço no sistema político-representativo. O PT perdeu espaço em função dos erros cometidos, mas muitíssimo também devido ao impacto negativo sobre sua imagem resultante da apropriação seletiva, partidarizada e irracional do combate, comandado por seus adversários e inimigos, aos crimes eleitorais e contra a administração pública em que se envolveu. Sabe-se que, o tempo todo, a Lava Jato tem sido assumidamente implementada em aliança com o oligopólio do espetáculo midiático. Essa partidarização de direita da coerção penal às ilegalidades mencionadas serve ao propósito de resgatar o país para o elitismo liberal e oligárquico, força política tradicional e poderosa na história do Brasil, berço de uma nação profundamente estruturada nas desigualdades (de classe, de cidadania, de raça, de gênero etc) e nas violências dos de cima sobre os de baixo.
Após um impeachment altamente controverso, embalada na fantasia de neutralidade que supostamente rondaria a atmosfera pública devido à cassação de Cunha e às vésperas das eleições municipais, a denúncia organicamente politizada contra Lula, apresentada pelo procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Força Tarefa da Operação Lava Jato, e por Roberson Pozzobon é uma evidência ímpar da sede engajada de caça ao maior líder político do processo democrático em curso desde os anos 1980, ora contra-arrestado pela direita. Ao expor para a mídia as acusações contra o ex-presidente, por corrupção e lavagem de dinheiro, Dallagnol caracterizou-o “como o comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato”. Haveria tido uma propinocracia no Brasil e Lula teria sido chefe de uma organização criminosa, não só durante seus governos, mas também após eles.
Retórica espetaculosa e megalomaníaca à parte, as acusações são bem mais modestas e, como os próprios denunciantes deixaram claro, sem provas cabais. Lula é acusado pela reforma de um triplex que a própria Lava Jato assume não ter evidência de que é ou foi dele e pelo armazenamento de objetos ganhos durante seus mandatos, que teriam sido pagos pela construtora OAS.
Até mesmo o jornalista Reinaldo Azevedo, membro ultra-conservador e direitista da coalizão neoliberal, reclamou da denúncia de Dallagnol: “serve para inflamar a opinião pública, mas constrange, na mesma medida, os meios jurídicos”. Especialistas em direito, de vários cantos do país, questionaram a peça acusatória da Força Tarefa. “Frágil, pouco técnica e espetacularizada. Foi assim que juristas ouvidos pelo UOL classificaram a denúncia feita pelo MPF (Ministério Público Federal)”. A denúncia usa informações de delação rejeitada pela própria PGR etc.
Obviamente, o que está em jogo é muito grave. Uma coisa é combater, de modo isento e universal, os crimes contra a administração pública. Outra é politizar irracionalmente processos investigativos e jurídicos e escolher arbitrariamente boi de piranha ou bode expiatório. Há várias menções a políticos da cúpula do PSDB nas delações da Lava Jato, mas a seletividade institucional não tem olhos e ouvidos para elas. Entrementes, uma elite de funcionários concursados da burocracia pública se comporta como se implementasse um inconfessável estado de exceção, infringindo o direito em nome da lei, do combate à saúva da corrupção de seu adversário ou inimigo ideológico. Burocratas não eleitos se lançam, irresponsavelmente e sem mandato, ao cumprimento de uma meta política de salvação nacional: condenar antecipadamente e a qualquer custo a maior liderança de um partido político de trabalhadores, por meio de uma operação jurídico-investigativa-midiática inserida sistemicamente em uma ofensiva da coalizão neoliberal contra as políticas social-desenvolvimentistas.
Para esclarecer a questão, desviemos o foco imediato na ofensiva política da Lava Jato, para apreciar o que ocorre nos países desenvolvidos nas relações entre Estado, capital e trabalho, que é o que está em jogo aqui. Na Europa, por exemplo, apesar das políticas de austeridade fiscal e de flexibilização das relações de trabalho, a democracia é muitíssimo mais que aqui um valor universal, pois convive com as organizações sindicais e partidárias dos trabalhadores, que, inclusive, participam de arranjos neocorporativos, como o diálogo social do tripartismo e as barganhas coletivas. Quando a social-democracia, Syrisa ou Podemos vencem eleições, governam. Onde o regime é parlamentarista, o gabinete ministerial está sujeito ao voto de desconfiança dos políticos eleitos, que podem destituí-lo. Aqui as forças do retrocesso democrático, situadas na Procuradoria Geral da República, no Judiciário, no Legislativo, no Executivo e nos partidos, como o PSDB, força orgânica do rentismo e das finanças, parecem não pensar duas vezes quando se trata de maltratar a democracia, virar as costas para o eleitorado e golpear a existência do PT ou debilitá-lo ao máximo, como se isso fosse possível na maior economia da América Latina.
Essa aposta é equivocada, perigosa para a estabilidade política. As organizações da resistência democrática e o conjunto dos trabalhadores e jovens organizados estão ativos. Não venceram quatro eleições presidenciais por obra do acaso. Houve indignação com o impeachment, decisão motivada pela crise, pela ingovernabilidade e pelo sectarismo de direita. Mas não abaixaram a cabeça, estão nas ruas e redes sociais demandando igualdade, participação, inclusão via mercado e via políticas sociais, recusando perda de direitos e querendo Diretas Já. Novas gerações de ativistas continuam surgindo, como os acontecimentos desde 2013 vêm evidenciando.
O POLJ, no qual se insere o juiz Sérgio Moro, quer prender Lula, sem provas, mas com convicção, o que tende a deslegitimar seu propósito. Quem mostra sinais vitais de que não vai aceitar isso é a cidadania progressista, que tem provas mais do que evidentes dos rumos incertos que o liberalismo conservador, oligárquico e castrador da democracia quer impor ao maior país da América Latina, berço do principal partido de trabalhadores surgido no mundo desde o pós-guerra. As provas estão nas políticas públicas de Estado mínimo e na politização das instituições do Estado de Direito. Os progressistas alimentam uma convicção muito sólida de luta em defesa do pacto democrático ameaçado pela reação conservadora, que tem gerado ódio e polarização política no país.
* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.
(Jornal do Brasil)

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