terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Caso Telexfree: Promotora do caso Telexfree espera sentença até o meio deste ano


Quando o Ministério Público do Acre (MP-AC) ajuizou a ação na Justiça e conseguiu bloquear os pagamentos e novas adesões da Telexfree, em junho de 2013, a promotora Alessandra Garcia Marques, titular da Promotoria de Defesa do Consumidor do órgão, estava em período de férias. Agora, passados sete meses do processo a promotora se tornou uma das figuras centrais do processo.

Prestes a completar 17 anos à frente da Promotoria de Defesa do Consumidor, Alessandra falou com exclusividade ao G1 sobre o processo contra a empresa, suspeita de operar um esquema de pirâmide financeira, que ela espera que seja concluído até o meio do ano. Diz que já esperava a reação negativa de parte dos divulgadores, mas que se comove com algumas das histórias deles.

G1 -  O que levou o Ministério Público a suspeitar que a Telexfree fosse uma pirâmide financeira?
Alessandra Marques - O marketing multinível no Brasil, em que pese não existir legislação específica sobre ele, não é ilícito. O que é ilícito é a formação de pirâmide e o que acontece no modelo de negócio da Telexfree é que a venda do Voip [Voice over Internet Protocol, sistema de telefonia pela internet vendido pela Telexfree], compõe apenas uma forma de remuneração dentre as oito ou nove formas que a empresa tem. Visualizando o negócio, o que você percebe é que ele se sustenta basicamente com o ingresso de novas pessoas nas redes e não com a venda do Voip. Até porque todo mundo que eu ouvi, que investiu na Telexfree, dizia que nem usava Voip, uns nem sabiam para que serve.
G1- E como funciona o modelo da Telexfree?
Marques - A Telexfree tem um modelo de negócio que foca no convencimento pessoal de que você está entrando em um negócio que é o passaporte para o 'Paraíso', então você tem uma legião de pessoas absolutamente crédulas no modelo de negócio da empresa e naquilo que os seus 'cabeças' dizem. Ela tem esse componente de agressividade, de animosidade, porque você tem um modelo empresarial que é focado nisso. Que eu tenho que mostrar pra você que consegui comprar meu carro de R$ 300 mil, que é Deus que me pôs na terra. É todo um modelo de marketing extremamente agressivo que convence dois tipos de gente.
Convence um que tem conhecimento do negócio e quer ganhar como os outros já ganharam e convence pessoas que não têm nenhum conhecimento dos riscos que correm, mas que querem melhorar de vida e melhorar de vida não é defeito, todo mundo quer melhorar de vida.
G1- Por quê a intervenção?
Marques
- A ideia da intervenção do Ministério Público, antes que o negócio ruísse, era impedir prejuízos depois. Porque o que nós temos hoje no Brasil? Aqui na promotoria tivemos operadoras de plano de saúde, que fecharam e deixaram os consumidores a ver navios. Tem mandado de prisão há oito anos aqui e você não pega o empresário que foi embora. É muito mais difícil você buscar a reparação do que as pessoas investiram, depois que o negócio rui, do que no começo. E a indignação das pessoas é porque o negócio ainda não havia ruído, ele ainda estava no auge, no boom, as pessoas ainda estavam investindo, mas o que elas não conseguem visualizar é que ele tinha dada de validade. A gente só não sabia o dia, mas ele tem prazo de validade.
Divulgadores da Telexfree realizaram diversas manifestações em Rio Branco contra o bloqueio da empresa (Foto: Tácita Muniz/G1)
G1 - Hoje o processo está como?
Marques - Está na fase de produção de provas. Vai ser feita a perícia e depois disso é o julgamento final do processo. Já está no fim, quer dizer é uma ação que não tem um ano e já está no meio pro fim. E que nem no recesso de Natal foi suspensa a tramitação, eu atuei nela, a juíza atuou. O que tem atrasado um pouco é o comportamento da empresa. Que recorre sem fundamento, que propõe incidentes no processo, isso é o que está atrapalhando.

G1 - A senhora estipula um prazo para conclusão?
Marques - Sim, eu espero que até o meio do ano tenha a sentença. Se depender do Ministério Público tem sentença. Até porque quem está sendo processado tem o direito que isso termine. Então, da parte do MP, não há nada que atrase. Para você ter ideia do modo como temos no portado nesse processo, por exemplo, ele está com vista para o MP, tenho sete dias ainda para que ele caía no meu sistema. Sete dias e depois disso, tenho mais cinco para o meu prazo de me manifestar. É algo que põe em questão a sobrevivência de inúmeras famílias.

G1 - Esse é o maior caso desse tipo em que a senhora já trabalhou?
Marques - Esse é o maior caso e dos últimos anos de empresa que estruturou um modelo de pirâmide, este é o maior. Tivemos outros há um tempo atrás, mas aí o prejuízo foi recuperável.

G1 - Você esperam conseguir recuperar os valores?
Marques - Sim. Esperamos que todos sejam ressarcidos integralmente naquilo que eles investiram.

Imagem diz que promotora do caso Telexfree foi encontrada morta (Foto: Reprodução/Facebook)
Imagem foi divulgada anunciando morte da promotora
(Foto: Reprodução/Facebook)
G1 - Vocês esperavam esse tipo de reação das pessoas fecharem as ruas? Como a senhora avalia esse tipo de reação?
Marques - Avalio como uma coisa extremamente irracional, mas era previsível, porque o modelo de negócio é esse para eu convencer a você entrar no negócio, eu tenho que te convencer que isso é um passaporte para o Paraíso. Que ninguém pode tocar nisso porque é lícito, porque é bom. Porque você vai ficar milionário, então é um negócio que atinge, especialmente áreas de região de maior pobreza. Falta de emprego.

G1 - Hoje a senhora foi alçada ao posto de 'maior inimiga' dos investidores da Telexfree'. De vez em quando surgem vídeos e montagens com a senhora. Como lida com isso como promotora e como ser humano?
Marques - Isso é absolutamente normal. Para ser muito sincera com você, tirando o fato que é cansativo porque é toda hora o assunto, eu tenho mais 200 outros processos aqui. Então, você imagina que tenho coisas muito mais importantes porque envolvem, por exemplo, direito à saúde, do que isso [O caso Telexfree) para fazer. Isso não é a razão de ser do meu trabalho e ela toma meu tempo. Mas se eu disser que me incomoda e que um dia eu já estive muito chateada, pensando em ir embora. Não! Porque se eu não estiver preparada emocionalmente, para lidar com qualquer tipo de reação no meu trabalho, como já aconteceu na época do estádio de futebol [Em 2011, ela moveu um processo que proibiu a realizações de jogos no estádio Arena da Floresta, em Rio Branco, por causa de irregularidades no local], como aconteceu em reação à Cidade do Povo [O MP-AC já apontou diversas irregularidades nas obras do programa habitacional do Governo do Estado]. Se eu não tiver preparada emocionalmente pra fazer isso, eu não posso exercer o cargo que eu exerço.
Então, é assim, faz parte. É a mesma coisa de você dizer para um médico que ele vai abalado para casa porque operou um paciente que estava mal. Se eu estiver fazendo isso é porque sou uma profissional ruim. Tenho que abstrair, ao mesmo tempo, é óbvio que eu tenho cuidado com a minha segurança porque isso é natural, mas é só. E é óbvio que eu me comovo com as pessoas humildes que investiram e não sabiam no que estavam entrando, isso não tenha nenhuma dúvida! Não são todos, mas grande parte.

É óbvio que eu me comovo com as pessoas humildes que investiram e não sabiam no que estavam entrando"
Alessandra Marques
G1 -Tem divulgadores que chegam de forma violenta, mas tem também caso que chegam pacificamente?
Marques - Existem pessoas extremamente gentis que contam histórias muito tristes, que não sabiam o que estavam fazendo. Gente que investiu dinheiro porque a filha, o filho ou o pastor da igreja disse que era um bom negócio e são pessoas que você vê que estão de boa fé. Mas não é só esse tipo de pessoa que tem. Tem gente que sabia que o negócio era um risco, mas que poderiam ganhar muito poderia ganhar muito se conhecessem todos os mecanismos de ganhos da empresa. A maior parte do público que reclama nem conhecia, nem tinha estudado o sistema para saber como poderia usufruir de outras formas de ganho.

G1 - Hoje como avalia toda essa situação, passados sete meses?
Marques - Que o estado brasileiro não está preparado para poder conter determinados negócios, que põem em risco a economia de um país. Porque já tinha remessa de dinheiro para o exterior, tanto que tem investigação na Receita Federal, movimentação muito rápida de dinheiro e as autoridades que fiscalizam e que têm conhecimento disso demoram muito no Brasil para tomar providência. E às vezes quando você vai tomar já é tarde demais, como aconteceu em outros modelos de negócios no Brasil que deixaram pessoas a ver navios e que é impossível a reparação, porque todo mundo foge, o dinheiro desaparece.
O que eu acho que falta no Brasil efetivamente é deixarmos de discutir as coisas, em termos de aproveitamento político partidário dos assuntos, e discutirmos as coisas se elas estão certas ou não. Se elas estão de acordo com a Constituição ou não. Se elas vão trazer melhoria de vida para as pessoas, ou se trazem algum risco evidentemente maior do que aquele que as pessoas possam suportar. Então, acho que fica bastante claro, que nós não temos na área criminal uma legislação penal capaz de coibir eficientemente isso, porque a pena é muito pequena e o prejuízo é enorme e também ao mesmo tempo fica claro que o Brasil é um país em desenvolvimento, mas um país onde a falta de educação e a falta de emprego faz com que pessoas depositem esperanças em coisas que elas não deveriam depositar.

Acre Carlos Costa Telexfree (Foto: Caio Fulgêncio/G1)
No Acre, para uma audiência de conciliação, o diretor da Telexfree Carlos Costa disse ter sido 'usado por Deus' para montar Telexfree (Foto: Caio Fulgêncio/G1)

G1 - Depois que a Telexfree foi bloqueada estão surgindo outras empresas com base fora do país, o Ministério Público tem como conter isso?
Marques - Não, ontem eu recebi consumidores aqui que foram lesados por uma empresa do mesmo jeito, mesmo modelo, cujo o site é na China. Eram pessoas extremamente sem condições de entender como se liga e desliga um computador e que estão na penúria. Falei com eles 'vocês precisam compreender que no Brasil e em nível internacional e interno, não temos uma legislação sobre o ciberespaço'. Sobre a responsabilidade civil, por exemplo, a discussão que está hoje no tribunal é, um site estrangeiro publica uma foto sua, você reputa que aquela foto fere o teu direito à privacidade.  Você vai ter que ir lá no exterior processar ou você pode processar no Brasil? Um ou outro julgado diz que pode processar no Brasil, os outros nem tocam no assunto e dizem que não têm, que a justiça brasileira não tem competência. O risco que você corre com um negócio desse é muito maior do que em uma empresa do Brasil. Quem não tem medo de perder tudo que investe, investe. Quem não tem conhecimento da natureza do risco, pode até investir, mas quem tem juízo, bom senso, não investe.

G1 - E qual o alerta que a senhora daria para as pessoas hoje? E se pudesse mandar um recado para os divulgadores, o que diria?
Marques - Que quem quer ganhar dinheiro licitamente neste país, tem que trabalhar. Não tem outro mecanismo. A não ser que você ganhe na Loteria Esportiva, porque é a loteria é regulado pela legislação brasileira. Não conheço outra receita lícita de renda que não seja trabalho. E se você disser: Não, tem coisas que têm risco, como a Bolsa de Valores é arriscada. Mas ela tem regulamentação. Ela tem órgão de fiscalização. Então, a receita certa para quem quer melhorar sua condição de vida, é o trabalho
Fonte: G1

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